Em janeiro desse ano, vinte e três gatos em situação de rua, representados por sua guardiã, ajuizaram uma ação judicial em face de duas construtoras de Salvador/BA, com fundamento no Decreto n° 24.645/1934, o qual, em seu art. 2°, §3°, prevê que os animais serão assistidos em juízo por seus substitutos legais, pelo representante do Ministério Público ou membros de sociedades protetoras de animais:
Art. 2º Aquele que, em lugar público ou privado, aplicar ou fizer
aplicar maus tratos aos animais, incorrerá em multa de 20$000 a
500$000 e na pena de prisão celular de 2 a 15 dias, quer o
delinquêntes seja ou não o respectivo proprietário, sem prejuízo da
ação civil que possa caber.
[…]
§ 3º Os animais serão assistidos em juízo pelos representantes do
Ministério Público, seus substitutos legais e pelos membros das
sociedades protetoras de animais
Referido decreto, editado no Governo Getúlio Vargas, foi publicado com força de lei, razão pela qual a sua revogação só pode se dar por meio de outra lei, com base no art. 2°, §1°, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), invocado na petição inicial em comento. Diante da inexistência de tal revogação, depreende-se que o Decreto n° 24.645/1934 continua vigente, em relação às disposições cíveis, de forma que os animais ainda hoje podem demandar em juízo assistidos pelos legitimados elencados no dispositivo supracitado.
Os vinte e três gatos, autores da demanda, vivem em terreno em que será construído empreendimento imobiliário pelas construtoras rés, sendo que, em virtude das movimentações para as obras de construção do empreendimento, os felinos vem sofrendo ferimentos, ocorrendo inclusive a morte de alguns dos animais.
Mesmo após tentativas de negociações com os representantes das construtoras, a petição inicial da ação em comento narra que as rés se negam a custear lar temporário para os gatos, bem como a permitir o acesso da guardiã ao local para levar alimento ou para fazer a retirada dos animais. Por tal razão, ajuizou-se a demanda a fim de compelir as construtoras a arcar com os custos dos tratamento médico-veterinário para a castração, vacinação e reabilitação dos animais, além da condenação ao pagamento de indenização por danos morais.
A ação foi distribuída para a 5° Vara Cível e Comercial de Salvador/BA, sendo que o juiz lotado na referida Serventia recebeu a petição inicial e designou a audiência de mediação, seguindo, portanto, o procedimento previsto pelo Código de Processo Civil, notadamente em seu art. 334. A designação da audiência de mediação pelo magistrado implica no deferimento da petição inicial, reconhecendo a presença dos pressupostos processuais, e, por conseguinte, a legitimidade dos gatos de figurarem no polo ativo, assistidos por sua guardiã.
Um vez deferida e processada a demanda, têm-se mais um precedente de peso para o Direito Animal, o qual já conta com o Habeas Corpus n° 833085-3/2005, da chimpanzé Suiça, a Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 4983 (“Adin da vaquejada”), além de acórdãos do Superior Tribunal de Justiça no sentido da proteção da dignidade animal (REsp n° 1.783.076/DF; REsp n° 1.797.175/SP; REsp n° 1.713.167/SP), dentre outros.
A ação permanece em trâmite perante a 5° Vara Cível e Comercial de Salvador/BA. A petição inicial pode ser acessada em nosso site na seção “Modelos de Petições”, “Colaboradores Externos”, “Petição Inicial”.